Não
poderemos nunca convencer-nos adequadamente da grande importância que
tem o cuidado de praticar a Humildade e eliminar do nosso espírito toda a
presunção,
toda a vaidade e todo o orgulho.
Todo
o cristão contraiu no batismo a obrigação de seguir os passos de Jesus
Cristo, que é o modelo a que devemos conformar a nossa vida. Ora bem,
este Deus Salvador
praticou a Humildade a ponto de se fazer o opróbrio dos homens,
ensinando-nos com o seu exemplo o caminho único que conduz ao céu. Para
falar com propriedade, esta é a mais importante lição do Salvador:
“Aprendei de mim!”
Conselhos para a prática da Humildade:
I
Abre
os olhos de tua alma, e pensa que nada tens que mereça estima. De teu,
só tens o pecado, a debilidade, a fraqueza; e quanto aos dons da Graça
que estão
em ti, assim como os recebeste de Deus, que é o princípio de todo o
ser, assim só a Ele deves dar glória.
II
Concebe
por isso um profundo sentimento do teu nada e faze-o crescer
constantemente no teu coração. Persuade-te de que não há no mundo coisa
mais vã e ridícula
que o desejo de ser estimado por alguns dotes da gratuita liberalidade
do Criador, pois, como diz o Apóstolo, se os recebeste emprestados pelo
Criador, por que te envaideces como se fossem teus e não os tivesses
recebido do Criador a título de empréstimo?
III
Pensa
frequentemente na tua fraqueza, na tua cegueira, na tua vileza, na tua
dureza de coração, na tua inconstância, na tua sensualidade, na tua
insensibilidade
para com Deus, no teu apego às criaturas e em tantas outras viciosas
inclinações que nascem da tua natureza corrompida. Sirva-te isto de
grande motivo para te abismares continuamente no teu nada, e seres aos
teus olhos o menor e o mais vil de todos.
IV
A
memória dos pecados da tua vida passada esteja sempre impressa no teu
espírito. Nenhuma outra coisa reputes tão abominável como o pecado da
soberba, o qual,
posto em comparação, vence qualquer outro, tanto sobre a terra como no
inferno: este foi o pecado que fez prevaricar os anjos no céu e os
precipitou nos abismos; este foi o pecado que corrompeu todo o género
humano, e que fez cair sobre a terra aquela infinita
multidão de males, que durarão enquanto durar o mundo.
V
Considera
também que não há delito, por enorme e detestável que seja, ao qual não
se incline a tua natureza corrompida, e do qual não possas fazer-te
réu; e
que só pela misericórdia de Deus e pelo socorro das suas divinas graças
foste dele livre até hoje, segundo aquela sentença de Santo Agostinho:
“Não haveria pecado no mundo que o homem não cometesse, se a mão que fez
o homem deixasse de sustentá-lo” (Arl. C.
15);
VI
Não
te iludas pensando que poderás conseguir a Humildade sem aquelas
práticas que a ela estão ligadas, como os actos de mansidão, de
paciência, de obediência,
de ódio contra ti, de renúncia ao teu sentimento e às tuas opiniões, de
arrependimento de teus pecados e outros actos semelhantes, porque
somente estas armas poderão vencer em ti o reino do amor-próprio, aquele
abominável terreno onde brotam todos os vícios,
onde se aninham e crescem desmedidamente o teu orgulho e a tua
presunção.
VII
Tanto
quanto possível, observa o silêncio e o recolhimento, desde que isso
não cause prejuízo a outrem, e, quando fores obrigado a falar, fala
sempre com gravidade,
com modéstia e simplicidade. E se por acaso não fores ouvido, seja por
desprezo ou por qualquer outra causa, não te mostres ressentido, mas
aceita essa humilhação com resignação e tranquilidade.
VIII
Com
todo o cuidado e atenção, evita proferir palavras atrevidas,
orgulhosas, e que indiquem pretensão de superioridade, como também
qualquer frase estudada e
toda a sorte de gracejos frívolos; cala sempre tudo aquilo que puder
fazer com que te considerem uma pessoa de espírito e digna da estima dos
outros. Numa palavra, nunca fales de ti sem justo motivo, e nada digas
que possa granjear-te honra e louvor.
IX
Cuida-te
de não mortificar e ferir a outrem com palavras e sarcasmos; foge, numa
palavra, de tudo o que lembra o espírito mundano. Fala pouco das coisas
espirituais,
e não o faças em tom magistral e à maneira de repreensão, a não ser que
a isso sejas obrigado por teu cargo ou pela caridade. Contenta-te com
interrogar os que delas entendem e que sabes que te podem dar conselhos
oportunos, porque o querer fazer-se de mestre
sem necessidade é acrescentar lenha ao fogo da nossa alma, que se
consome em fumaça de soberba.
Baseado no livro “ A Prática da Humildade”, de Gioacchino Pecci (Leão XIII)