Pope Francis

Monday, 6 October 2014

Espiritualidade - A Depressão

A negação da essência da vida

Nos tempos presentes, a depressão tornou-se um grande desafio para a nossa fé e para a nossa vida espiritual. Ela é cada vez mais uma “doença popular”. Todos falam dela. Todos convivem com ela. A desintegração familiar, bem como a perda dos valores éticos, morais e religiosos, tem sido uma das principais causas da depressão. Nestes últimos anos, a dimensão psicológica e psiquiátrica da depressão tem recebido uma atenção especial. A depressão exige uma forma de oração que considere a pessoa na sua dimensão integral. O caminho espiritual é, nestes casos, particularmente exigente pois deve ter sempre em conta a situação psíquico-afetiva em que a pessoa se encontra.

A experiência da depressão é marcada pelo vazio interior e pela ausência de qualquer vitalidade. É a negação da vida em sua essência. É a perda do entusiasmo e da esperança. A pessoa sente-se paralisada na sua criatividade e nas suas competências. As forças estão atrofiadas. Com isso, a tristeza ocupa cada vez mais o espaço da interioridade. A vida não mais corresponde às expectativas que nela depositámos.

A superação de uma falsa imagem

Contudo, a depressão pode ser vista como um convite para que a pessoa supere todos os esquemas e regras que contradizem a sua essência de vida.

São momentos para superar as ilusões, os sentimentos de culpas e fixações negativas construídas ao longo dos anos.

É hora de nos despedirmos de uma auto-imagem falsa que não corresponde à realidade.

Só assim nos tornaremos sempre mais aquilo que somos verdadeiramente, aptos a aproximar-nos sempre mais da verdadeira imagem, única e original, que Deus formou em cada um de nós. Não podemos ser sempre o melhor, nem com certeza o mais belo ou o mais inteligente. Mas, é isto importante?

As pessoas deprimidas olham para o seu passado de maneira negativa. As experiências vividas são deslocadas para uma perspectiva de culpa e vergonha. As pessoas deprimidas normalmente tendem a afastarem-se dos outros. Elas têm medos de serem excluídas e rejeitadas. A sua auto-estima é baixa e torna o seu relacionamento com outras pessoas uma fonte de perturbação. Os familiares de um depressivo retraem-se com a impressão que todo o esforço é inútil. A pessoa deprimida não consegue alegrar-se com nada, com nenhuma visita, com nenhum elogio. Tudo se torna insuportável para ela. A depressão passa a ser assim um escudo de uma falsa proteção.

Acolhimento da própria depressão

É preciso estabelecer uma relação positiva e amorosa com a depressão. A aceitação da própria depressão pode levar a uma maior clareza interior, bem como a uma profunda experiência de Deus.

No meio da depressão é possível sentirmos em certos momentos, na nossa extrema fragilidade, uma extraordinária proximidade com Deus.

Quando o mundo exterior se escurece para nós, voltamos os nossos olhos para dentro de nós mesmos. A depressão leva-nos sempre a questionar alguma coisa de nós mesmos que não está bem ou que ultrapassou os limites. É aqui que, em vez da fuga devemos seguir o caminho do acolhimento da depressão.

O primeiro passo consiste em familiarizar-se com a depressão e reconciliar-se com os sentimentos de culpa. Ela não pode ser vista como “inimiga”. Quando a depressão é vista como “inimiga”, estabelece-se uma luta interna e a pessoa sente que as suas forças sucumbem e o desânimo acaba por influenciar decisivamente as nossas decisões e os nossos sentimentos.

Querer agradar sempre

A depressão pode ser proveniente também de um perfeccionismo enraizado no fundo da alma, onde a pessoa quer sempre ser bem vista por todos, reconhecida e estimada por todos. Por isso ela sente-se na obrigação de atender a todas as expectativas, bem como, de corresponder sempre, de agradar sempre. Ela não se permite errar. Como isso não é possível, então a depressão passa a dominá-la. Uma atitude de acolhimento das próprias fragilidades, pecados e frustrações possibilitam um caminho de superação e dá nova vitalidade. Perdoar a si mesmo talvez seja o ponto mais difícil. A misericórdia é praticada só em direção aos outros e nunca para com sua própria pessoa. O rigorismo se torna uma lei interna. Uma possibilidade de acolher a depressão é aprender a escutar o próprio corpo. Quanto mais, de forma amorosa, a pessoa prestar atenção às suas próprias reações físicas ou emocionais, maior possibilidade há da depressão se transformar em novas metas e projetos.

Corpo e alma bloqueados

A pessoa deprimida sente um bloqueio generalizado. O seu olhar é rígido. Os membros do corpo tornam-se pesados. Muitas pessoas deprimidas não conseguem sair da cama e muito menos da casa. Carregam um grande sentimento de culpa. É uma carga que vai para além das suas forças. Elas têm a impressão de terem feito tudo errado. Acreditam que, pelo simples fato de estarem vivas, já são culpadas. Sentem a necessidade de se desculparem constantemente, mais tais pedidos de desculpas não mudam nada a sua atitude. Permanece nelas a sensação de que são sempre pessoas perdedoras e vencidas. Daí a recusa em assumir a própria vida. E tal comportamento pode levar até o suicídio.

A desmotivação

As pessoas deprimidas são inquietas e ao mesmo tempo, parecem paralisadas. Elas não descansam em si mesmas, no bem-estar da vida, mas estão totalmente divididas. As pessoas deprimidas parecem ter os olhos vendados. Não conseguem ver a beleza na natureza, no mundo e nas pessoas. É uma sensação de vazio absoluto. É a ausência de qualquer forma de vida; de qualquer direito à vida. O deprimido está no meio de tudo, mas não vibra com nada.

A pessoa deprimida, por vezes, precisa da presença de outras pessoas e, ocasionalmente, tem necessidade de falar sobre a sua vida. Ela tem a impressão de ter menos valor do que os outros. Considera-se incapaz e lenta. Em tudo se sente inferior e coloca-se em segundo plano. Está sempre desmotivada. Vem logo o cansaço e uma das fugas deste esgotamento é o sono e a inércia. Porém, em geral, não consegue dormir. Permanece acordada e com os pensamentos atormentados. Torna-se assim uma pessoa sempre cansada e esgotada.

O desejo de amor e reconhecimento

A pessoa deprimida carrega dentro de si um grande desejo por amor, por atenção e reconhecimento. Quando era criança recebeu pouco amor. Teve que se adaptar à situação. Em seu íntimo ficou uma lacuna interior.

Uma pessoa deprimida anseia por amor. Quer ser merecedora do amor e atenção de alguém. Para isso, ela é, por vezes, capaz de se sacrificar pelos outros mas na maior parte das vezes é um sacrifício por ela própria. Dá tudo de si para conseguir um pouco de amor, mas quanto mais se desgasta, mais o vazio aumenta. Quanto maior for o desejo por amor, maior se torna o sofrimento, justamente pela falta de amor.

Dentro de cada um de nós existe uma fonte de amor. A pessoa deprimida não percebe mais isto.

Ao perceber que o amor já está dentro de si, a pessoa dar-se-á então conta que não precisa mais depender do amor alheio e assim ir superando a depressão, mas depende dela se irá viver desta fonte ou não.

A abertura para Deus

A pessoa deprimida parece ter perdido até mesmo o sentido da oração. A depressão confunde os pensamentos e rouba-lhe toda a concentração. Nem sempre Deus tira a depressão. A pessoa atribui a Deus aquilo que é de sua responsabilidade. Daí a decepção com Deus. Rezar pode ser também uma luta com Deus. Jesus compreende a oração de maneira diferente. Ele abre para o Pai o seu medo, a sua impotência e a sua tristeza. Pede ao Pai que afaste o cálice amargo da dor e da cruz. Mas pede também ao Pai que se faça a sua vontade. Na oração, voltamo-nos para Deus a partir de dentro de nossa depressão. Eu abro a minha tristeza para Deus e peço-lhe que me livre dela. Mas, ao mesmo tempo, eu entrego-me a Deus. Eu confio em Deus. Ao olhar para Deus, a minha depressão vai amenizando. Ela deixa de me dominar totalmente. Nem sempre a oração nos tira a depressão, mas ela dá-nos a firmeza diante do sofrimento.

Um Deus presente

A oração não é um rito exterior, nem um toque de magia e cura imediata. Em primeiro lugar, entramos em contacto com o nosso interior, onde Deus habita em nós. Neste espaço a força de Deus é maior. Na oração há sempre uma conquista nova. Na oração sentimos a força de Deus. E onde Deus está, o juízo da depressão não tem a última palavra sobre a pessoa.

Quem for perseverante na oração, irá experimentar o direito à vida em plenitude. Percebe que não é mais dominado pelo desespero. A oração levanta a pessoa e confere-lhe o direito de ter esperança. Na entrega total a Deus, o Senhor da vida.

Baseado num texto do Padre Agenor Girardi

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