Em 1892 uma amante do teatro chamada Mabelle Webb
mudou-se para Nova Iorque com o seu filho de três anos. Abandonou o pai da
criança, um mero vendedor de bilhetes de combóio, afirmando que “ele não
gostava do teatro” e impediu-o de desempenhar qualquer papel na vida do filho,
recusando até o seu apelido. Introduziu logo o rapaz no mundo das artes de
palco, treinando-o nos ramos de música e dança. O jovem abandonou a escola aos
13 anos e entrou para o teatro, acabando por se tornar uma figura popular de
Hollywood, desempenhando personagens parecidas consigo: sofisticados,
condescendentes, mimados. Foi sempre o “pequeno Webb” da sua mãe. Ela era
conhecida por ter um papel excessivo na sua vida e viveu com ele até morrer aos
91 anos. Eram sufocantemente próximos. Quando ela morreu, na sua tristeza ele
deixou a sua saúde deteriorar-se. Nunca casou, mas levou uma vida homossexual
discreta, com o conhecimento da sua mãe.
Clifton Webb nasceu assim.
Em 1934 um rapaz de 13 anos, excepcionalmente bonito,
estava num cinema londrino a ver filmes de terror. O seu lar feliz tinha sido destroçado
quando era mais novo, por causa de um arranjo profissional que obrigava o pai a
ficar na cidade enquanto ele era educado pela irmã, a ama e, mais tarde, uma
tia. Era vulnerável e isso não passou despercebido a um jovem estudante de
medicina. Depois de terem visto um filme sobre múmias, o estudante convidou-o a
voltar com ele para o seu apartamento, para lhe dar uma experiência de
mumificação, se estivesse interessado.
O rapaz concordou. Mais tarde, na sua biografia, escreveria
que nessa altura não “sabia nada” da vida. O estudante deu-lhe uma bebida com
droga, despiu-o totalmente e embrulhou-o com ligaduras, dos dedos dos pés até à
cara, deixando apenas os seus órgãos genitais descobertos. Depois pegou numa
faca fria e encostou-a aos seus órgãos genitais, sussurrando que poderia
matá-lo ou mutilá-lo, se quisesse, mas claro que não o faria, porque não era
isso que queria. O coração do rapaz acelerou, aterrorizado. Pensava que ia
morrer. O estudante abusou dele, libertou-o, deixou-o vestir-se e ir-se embora.
“Ao menos agora já sabia”, escreveria, trinta anos mais tarde. Nunca chegou a
casar. Entrou para o mundo dos espectáculos e tentou ter casos com uma ou duas
mulheres, mas não duraram. Eventualmente passou a viver com outro homem.
Dirk Bogarde nasceu assim.
Em 1949 um juiz no Bronx apresentou um menino de 10 anos
com uma escolha. Podia ir viver para um centro de detenção de menores, ou ser
enviado para longe da família, para uma escola de actores. Escolheu a escola de
actores. Em termos práticos, parece ter sido a melhor opção. Os seus pais,
imigrantes sicilianos, já não tinham mão nele. Tinha sido expulso do colégio
católico onde andava e juntara-se a um gangue de rua, vindo a ser condenado por
assalto à mão armada. Mais tarde viria a ser conhecido como “Switchblade Kid”
[Navalhas]. Uma das relações que teve com uma actriz acabou numa gravidez
abortada. Durante vários anos, com a sua voz de veludo, pele morena e olhos
grandes, era o quebra-corações em Hollywood. Também teve casos com homens e
produziu e representou numa peça de teatro em que constava uma violação
prisional em que ele fazia de violador. Nunca teve uma vida familiar normal.
Sal Mineo nasceu assim.
Em 1933 um rapaz de 13 anos que tinha conseguido um papel
num espectáculo em Broadway decidiu permanecer em Nova Iorque, longe da sua
família. O seu pai era um alcoólico abusivo e violento e a mãe gastava grande
parte das finanças em viagens para descobrir a sua linhagem aristocrática. Mais
tarde diria que não se lembrava de nada da sua infância, para além de não ter
estado no mesmo sítio por muito tempo. Tornou-se um grande actor, com mais de
20 papéis principais em alguns dos melhores filmes feitos nos Estados Unidos. O
pai que tanto odiava contribuiu para o seu sucesso, uma vez que sempre que
precisava de uma imagem mental de teimosia e ignorância, contra os quais
revoltar-se com uma fúria incontrolável, pensava nele. Era uma alma caridosa
que procurou no realizador John Huston o pai que nunca tivera, de facto. Também
esteve envolvido com outros homens e acabou por morrer prematuramente devido ao
uso excessivo de álcool e drogas.
Montgomery Clift nasceu assim.
Era inevitável, quando nasceu Rock Hudson, que os seus
pais se iriam divorciar quando ele ainda era novo, e que seria criado numa
quinta por avós de quem não gostava. Era inevitável, quando Tab Hunter nasceu,
que a sua mãe divorciaria o pai que abusava deles e lhes retiraria o seu
apelido. Era inevitável, quando Raymond Burr nasceu, que a sua mãe
divorciar-se-ia do seu pai canadiano, mudando-se para a Califórnia, criando o
filho com os seus pais. Alcoolismo, ódio, solidão, pais ausentes, violação e
abuso sexual, atenção excessiva das mães, tudo isto é inevitável quando um
certo tipo de rapaz nasce.
Um dos alunos mais emocionalmente perturbados que conheci
enquanto professor gostava de falar durante as aulas, de forma totalmente
irrelevante, sobre como o actor Elijah Wood lhe dava banho em pequeno. O seu
pai tinha-se suicidado quando ele tinha apenas nove anos e a mãe voltou a casar,
com um homem que ele odiava. Tudo isso era inevitável, claro. O rapaz nasceu
assim.
Os únicos rapazes que não nasceram assim são os rapazes
normais que, se lhes dermos a possibilidade, jogam aos polícias e ladrões,
formam equipas de futebol, constroem carrinhos de rolamentos, passeiam pela
floresta, caçam pequenos animais, memorizam tudo sobre o que mais lhes
interessa, brincam com fogo, electricidade ou catapultas e começam a reparar
nas meninas bonitas que durante anos tentaram ignorar. Esses são socialmente condicionados,
mas de forma mágica, tendo em conta que o mesmo comportamento pode ser
encontrado entre rapazes de todas as idades e em todos os locais e culturas
conhecidas pelo homem.
Somos loucos, completamente loucos.
Anthony Esolen
Anthony Esolen é tradutor, autor e professor no
Providence College. Os
seus mais recentes livros são: Reflections on the Christian Life:
How Our Story Is God’s Story e Ten
Ways to Destroy the Imagination of Your Child.
(Publicado pela primeira vez na Quarta-feira, 4 de Março
de 2015 em The Catholic
Thing)
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